segunda-feira, 28 de março de 2011

Em Balneário Camboriú, animais são preparados para ajudar pessoas com deficiência visual

Geral | 28/05/2011 | 19h14min

Winter dá segurança e agilidade para que Figue chegue aonde quiser - Daniel Conzi / Agencia RBS

A estimativa é de que existam apenas 70 cães-guia no Brasil

Gabrielle Bittelbrun

Há dois anos, Winter, uma cadela da raça labrador retriver, guia os invernos e verões de Elias Diel, o Figue, de 37 anos.

— Não tem nem como descrever, ela me permitiu realcançar a liberdade — explica.

E é de se imaginar o valor da independência para um homem que surfa, faz alpinismo, jiu-jítsu, e é professor de ioga mesmo sem enxergar. Figue nunca suportou as dificuldades de se locomover depois do acidente de carro que o deixou cego aos 16 anos. Com a bengala, o deficiente visual encontra o obstáculo para depois se desviar. A solução foi pedir ao pai, João Nirto Diel, um cão-guia, que antecipa a rota, desvia dos obstáculos, dando agilidade e segurança.

— Disse que ia buscar nem que fosse na Lua. Mas, sinceramente, não pensei que fosse tão difícil — confessa.

A busca de cinco anos de João acabou quando ele encontrou, na internet, Augusto Gonzaga, fundador da Escola Helen Keller, na época em Florianópolis. A escola fo
Esci a primeira no Brasil a trazer cães treinados do exterior e a doar para deficientes visuais por meio de convênios, além de mandar brasileiros se formarem em escolas da Austrália e da Nova Zelândia. Figue conseguiu a tão sonhada Winter, australiana, mas isso já não era mais o bastante.

— Ajudar outras pessoas a encontrarem cães-guia se tornou uma obrigação — conta João.

A escola foi transferida para Balneário Camboriú em 2005, com a administração do pai de Figue. Três cães já foram treinados, dois estão em Itajaí e um em Navegantes. Dez estão em treinamento. Os cães são cedidos aos deficientes visuais, porém, continuam pertencendo à escola.


— Precisa ser analisado sempre se o cão está sendo bem tratado e se está agindo como o esperado. A gente está entregando a vida de uma pessoa para o cachorro — explica o instrutor da escola Fabiano Pereira, único com formação requerida pela Federação Internacional das Escolas de Cães-Guia em atividade no Brasil.

Não há estatísticas, mas a estimativa é de que existam apenas 70 cães-guia no Brasil, enquanto a população de pessoas com pouca visão já está entre os 5 milhões.

Cerca de mil pessoas estão na fila por um cão na Helen Keller. Qualquer pessoa pode se inscrever no sitewww.caoguia.org.br. Mas a dupla entre cão e deficiente visual deve ser a mais compatível possível, considerando-se as particularidades comportamentais e físicas.

— Uma pessoa muito baixa, por exemplo, não pode ter um cão muito grande. E o cão começa a guiar porque tem afinidade e ama incondicionalmente a pessoa — destaca.

A escola está arrecadando fundos para construir um centro de treinamento em um terreno doado pela prefeitura. A ideia é que mais deficientes visuais se sintam como Figue:

— Todo mundo tem limitações, seja ela financeira, seja a limitação em reconhecer a beleza da vida. Eu tenho a minha limitação. E a Winter ajuda para que ela seja menor.

Projeto pretende investir em profissionais da área

Enquanto a Escola Helen Keller está focada na formação de cães para cegos, o Instituto Federal Catarinense, campus de Balneário Camboriú, tem um projeto para a profissionalização de treinadores e instrutores para cães-guia. O projeto está sendo discutido com o Ministério Federal da Educação, com a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiências e com a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Os primeiros cursos da modalidade no Brasil serão em Camboriú pelos trabalhos para formação técnica de deficientes auditivos desenvolvidos no mesmo campus.

A coordenadora do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE) e idealizadora do projeto para os cursos de treinadores e instrutores de cães-guia, Márcia Santos de Souza, estima que o edital para a formação de treinadores seja lançado em julho de 2012. A primeira turma deverá se formar no segundo semestre de 2013, concluindo o treinamento de 30 cães-guia. Só depois de se ter os cães treinados é que se pode lançar o curso de instrutor.

— O instrutor é uma profissão mais complexa, pois tem a finalidade de formar a "dupla" entre cego e cão treinado — explica Márcia.

Há planos para que, no futuro, o campus desenvolva, geneticamente, raças aprimoradas de cães para guiarem deficientes visuais. O processo seletivo envolverá prova escrita e entrevista. O governo federal deve investir mais de R$ 1 milhão nos cursos do campus de Camboriú.